24/05/2023

| PARLAMENTO LITERÁRIO | O principio da hereditariedade universal

Inconsciente coletivo superior

Infere-se por sobre a hereditariedade o princípio de transmissão pelo qual os indivíduos recebem enquanto descendentes e transmitem enquanto ascendentes as informações genéticas e psíquicas que lhe são peculiares. Segundo o dicionário online Priberam (HEREDITARIEDADE,2023) a hereditariedade pode ser entendida enquanto “transmissão das qualidades físicas ou morais dos ascendentes aos descendentes”.Essa sucessão de caracteres, destarte, é definida no dicionário Caldas Aulete como o “processo que tem como resultado a transmissão de caracteres de uma geração para outra através dos genes”(HEREDITARIEDADE, 2023).Assim sendo, podemos afiançar de que a hereditariedade compreende a transmissão de características entre ascendentes e descendentes em processo biológico e psíquico. 

Com efeito, quando na perspectiva Junguiana o que seria, pois, a hereditariedade ancestral? Quando nos postulados junguianos por sobre o inconsciente coletivo o que seria e como se aplica essa hereditariedade psíquica, essa herança genética- mental que ocorre em nossos pensamentos e em nossa personalidade? Quando, pois, ao nos debruçarmos sobre a realidade física em nossa volta, sobretudo no momento púbere do nascimento humano já averiguamos a ampla existência de infindáveis fatores. 

Existe em tudo, desta feita, uma memória genética, um funcionamento orgânico, reflexos ancestrais, impulsos de manutenção, dentre vários outros fatores preexistentes. Ou seja, quando ao nascer já nos fazemos munidos de uma história milenar em nossas células e em nossa psique. História tal que se encontra latente em nosso inconsciente, em espécie de imagens primordiais e que vão caracterizarem em nossa personalidade predisposições na maneira como reagiremos ao mundo. Ponderou Aristóteles de que haviam certas características que eram perpassadas aos filhos numa espécie de transmissão genética. Características físicas e orgânicas. O distinto filosofo embora não tivesse conhecimento, quiçá, por sobre o inconsciente coletivo fez louváveis observações a respeito da alma humana, da Phisys; mas a alma entendida não como o espirito, mas como o intelecto, força primária e condutora do corpo físico. É nessa perspectiva que o mesmo irá corroborar de que “a alma é a causa eficiente e o princípio organizador do corpo vivente”. Aqui a alma é posta enquanto força máxima e organizadora das forças básicas e vitais do corpo humano, ou seja, a mente. Em contrapartida, Platão nos legou o conhecimento sobre o mundo das ideias, sobre a alma humana enquanto elemento abstrato, de natureza intangível. O mundo das ideias defendido por Platão também poderá ser entendido enquanto o universo psíquico que envolve o ser, a alma, a mente humana. Em outras palavras, o mundo abstrato que na perspectiva platoniana coexistia ao mundo físico nada mais é do que o mundo psíquico: o mundo das ideias das quais o físico, o ser e tudo o que existe se fazem tributários. O próprio Platão irá afirmar que “a alma deseja voar de volta para casa, para o mundo das ideias. Ela quer se libertar do cárcere do corpo”. E voar de volta para a casa, para o intangível mundo das ideias é, antes de tudo, se encontrar consigo mesmo, pois, ainda segundo Platão nosso universo psíquico, daquilo o que verdadeiramente nos constituem, somos ideias puras em corpos perecíveis. Ido de encontro a essa afirmação trazemos a nossa discussão o próprio Jung quando ao declarar que “alguma parte do Eu e da alma humana não está sujeita às leis do espaço e do tempo”.  Interessante observar que essa parte imaterial e que não se fazia sujeita as leis do tempo e do espaço seria por Jung classificado por inconsciente coletivo e que tanto Aristóteles quanto Platão classificaram por alma. Essa mesma psicofísica analisada por Platão e Aristóteles fora investigada por René Descartes quando em seus tratados por sobre a mente humana. É do mestre Cartesius a máxima de que “Penso logo existo”. O pensamento cartesiano estabelece o pensamento como diretriz fundamental da existência.  E dialoga diretamente com os preceitos outrora defendidos por Platão quando ao estruturar o mundo das ideias. Outrossim, Descartes não faz dicotomia entre a realidade física e a psíquica. Entende mesmo que a existência se realiza no pensamento e, desta feita, se faz a própria existência. Avançando em suas análises Descartes compreende de que a mente, ou seja, a alma é o verdadeiro eu do ser humano. Se perdemos uma perna, um braço, por exemplo, teremos sérios comprometimentos quanto a estrutura orgânica do nosso corpo, outrossim, se perdermos nossa alma, nossa mente e de tal sorte não seremos mais, deixaremos de existir. Ou seja, pensar é condição de existir. Pensamento e existência são diretamente simbióticos e concomitantes.  É possível afirmar que René Descartes resolve os problemas filosóficos de Aristóteles e Platão quando nas investigações por sobre a alma, a mente humana. Ainda de acordo com Descartes a mente é física assim como o corpo. Muitos foram os pensadores, contudo, que investigaram sobre o funcionamento da mente, de modo que se faz meramente impossível citá-los com todos os pormenores que envolve a grandeza de suas respectivas obras. Mas ao que aqui buscamos expor cabe ressaltar a natureza da alma, da mente humana enquanto em suas funcionalidades abstratas, mas com efeitos imediatos na natureza física do homem, a certo conceito de virtualidade, de natureza intangível e que compreende como bem quis Platão a um mundo de ideias, a um mundo intangível e psíquico. Assim como Aristóteles, Platão e Descartes investigaram por sobre a natureza intangível da mente, da realidade abstrata da mesma. 

De modo que a hereditariedade ancestral defendida por Carl Gustav Jung dirá restrito respeito ao processo de transmissão inconsciente das ideias, costumes e imagens latentes e que se faz incidida tal transmissão no mundo abstrato das ideias, pela alma mais profunda do ser humano,o seu inconsciente coletivo. O inconsciente coletivo, pois, infere-se como se fosse um reservatório de imagens primordiais, como se fosse a memória do mundo registrada em nossa alma, em nossa mente. É, pois, um conjunto de imagens, representações primitivas perpassadas como heranças. Traços peculiares e coletivos verificados no interior de cada psiquismo, de cada indivíduo. 

No fabuloso livro Os arquétipos e o inconsciente coletivo (JUNG, 2018:51) Jung irá definir que o inconsciente coletivo... 

é uma parte da psique que pode distinguir-se de um inconsciente pessoal pelo fato de que não deve sua existência à experiência pessoal, não sendo portanto uma aquisição pessoal. Enquanto o inconsciente pessoal é constituído essencialmente de conteúdos que já foram conscientes e no entanto desapareceram da consciência por terem sido esquecidos ou reprimidos, os conteúdos do inconsciente coletivo nunca estiveram na consciência e, portanto, não foram adquiridos individualmente, mas devem sua existência apenas à hereditariedade. Enquanto o inconsciente pessoal consiste em sua maior parte de complexos, o conteúdo do inconsciente coletivo é constituído essencialmente de arquétipos. 

Assim sendo, o inconsciente coletivo é constituído de arquétipos, das imagens primitivas e hereditárias e dos pensamentos elementares. Não está condicionado a nossa experiência pessoal, mas se faz fruto dessa hereditariedade. Ou seja, a nossa hereditariedade ancestral se faz armazenada em nosso inconsciente coletivo e por ele se faz transmitida. Teremos predisposições a reagir ao mundo tal qual reagiam os nossos ancestrais.  

Aqui chegamos ao ponto cardinal de nossa discussão. Para compreender o inconsciente coletivo superior seria necessária essa breve explanação sobre a natureza da mente humana e do próprio inconsciente coletivo de Jung. Ainda que abreviada tentamos ao máximo sintetizar o conceito e expô-lo da maneira mais lacônica e sucinta possível. 

 Inferimos do ICS o princípio da hereditariedade universal e de que a origem do pensamento é anterior ao que entendemos por sobre a origem da vida. Não há meios, outrossim, para provar a existência de vida em outros planetas, por exemplo. Ou a existência de Deus. Mas diagnosticamos por meio do inconsciente coletivo de Jung caminhos para melhor compreender as formações do pensamento e da consciência e as formas de como estes interagem, tanto de maneira pessoal como universal, aos meios pelos quais estão envolvidos. A realidade da mente é incontestável. Pensar é existir como bem frisou René Descartes. Ou de que o mundo material é um reflexo do mundo das ideias como especulou Platão. Destarte, mesmo não havendo meios para provar a abstralidade e virtualidade da mente, sabemos que ela existe e, mais que isso, é a própria existência. Preponderando-se aos princípios do inconsciente coletivo não podemos traçar um início pelo qual iniciou-se o processo de transmissão inconsciente entre as pessoas, totalizando uma matriz de conhecimento inesgotável, tal qual é hoje. Mas apenas para exemplificar a questão suponhamos que tal início tenha se dado com a personagem bíblica Adão. Daremos, pois, ênfase a passagem onde a mesma se verifica em medo.  Observem (GÊNESIS, 3:8-10): 

“Eles ouviram o passo do Senhor Deus que passeava no jardim à brisa do dia e o homem e sua mulher se esconderam da presença do Senhor Deus, entre as árvores do jardim. O Senhor Deus chamou o homem: “Onde estás?” disse ele. “Ouvi teu passo no jardim” respondeu o homem; “tive medo porque estou nu, e me escondi.””.

Quando em suas declarativas de que estava com medo e se escondeu alicerça uma indagação inevitável. De onde lhe vinham as impressões do medo? Se o medo por ele ainda se fazia elemento desconhecido? Haja visto de que sua mente ainda púbere e inicial no processo de viver não detinha os conhecimentos necessários para conhecer-se em sua interioridade. Essa passagem também nos remota ao entendimento da memória instintiva ofertada por Jung nas formulações do inconsciente coletivo. A compreensão de que estava nu e a memória instintiva claramente observada nessa passagem em questão nos remota a validade da formação do inconsciente coletivo em Adão nos momentos púberes da existência humana. Mas se o inconsciente coletivo já se fazia perceptível em Adão fica a pergunta inevitável: Quais as heranças pelas quais o Adão enquanto primeiro homem se fazia tributário? As noções de medo, a memória instintiva, a própria atitude comportamental em relação a presença de Deus indica uma característica fortemente encontrada nas pessoas até os dias de hoje: a prostração frente ao que é divino. Em tudo, pois, se diagnostica um inconsciente coletivo em ação. Mas se Adão herdou essas características de um outro ser que lhe fora anterior o próprio já não teria o posto de primeiro homem da terra. Mas se houve um homem anterior e que também, pelo inconsciente coletivo, recebeu e transferiu características psíquicas não podemos delimitar o início, mas sabemos que assim fora incidido. Afiançamos o princípio da hereditariedade universal entre os povos. Não é uma afirmação ufológica. Não é pretensão e nem especulação filosófica. A realidade da mente e da alma humana é fato incontestável. É quiçá a história da mente seja tão antiga quanto a própria história da terra. Voltando a citar Platão se quando ao morrermos voltamos ao mundo das ideias, esse mundo das ideias deve existir em algum lugar, que seja físico ou não é fato que a ciência não alcança. O inconsciente coletivo superior infere, pois, por sobre essa hereditariedade universal e nos oferta um novo campo de conhecimento quiçá psicológico para a compreensão da existência do pensamento, ou do pensamento enquanto existência. Se pensarmos o pensamento enquanto origem da própria existência, ou se investirmos na compreensão do pensamento estaremos avançando na compreensão de nós mesmos e, consequentemente, entendendo a nossa própria origem. 

Em Arquétipos e o inconsciente coletivo (JUNG, 2008:29-30) indaga Jung à máxima socrática do conhece a ti mesmo quando em“Em que medida o homem se conhece a si mesmo? Bem pouco, como a experiência revela. Assim sendo, resta muito espaço para o inconsciente.”Nessa perspectiva conhecer a si mesmo é, concomitante, conhecer e acessar a memória do mundo uma vez que a mesma se encontra armazenada em nosso inconsciente. Poucobconhecemos de nós mesmos e também do mundo a nossa volta. Se os fatores hereditários pelos quais somos diretamente tributários já se encontram em nós mesmos armazenados e, outrossim, não detemos total acesso aos mesmos significa em mesmo ato de que pouco conhecimento interior possuímos e que, na verdade, tal conhecimento se faz meramente impossível ao nível da nossa consciência, ao nosso eu consciente. Pouco conhecimento de si significa pouco conhecimento do mundo a nossa volta. 

Avançar nesse entendimento é crucial para as nossas respectivas evoluções. Entender que o princípio da hereditariedade é de fundamental importância para a compreensão do nosso Inconsciente coletivo superior e de que o mesmo nos remota a uma consciência universal e de que muito mais do que habitantes terrestres somos cidadãos do universo. Nosso inconsciente coletivo nos conecta ao universo, ao cosmo como um todo. Não estamos apenas conectados ao mundo em nossa volta, mas aos mundos, aos seres dispostos por todo o cosmo. A memória do cosmo, enquanto meras poeiras das estrelas, também residem em nós, não pela experiência pessoal, mas pelo princípio da hereditariedade universal.


 REFERÊNCIAS:

Os arquétipos e o inconsciente coletivo (Ed. Vozes, 2018) | Autor: C. G. Jung.

Psicologia do Inconsciente (Ed. Vozes, 1987) | Autor: C. G. Jung | Página: 132

BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Nova tradução na linguagem de hoje. São Paulo: Paulinas Editora, 2011.

HEREDITARIEDADE. In: Priberam, Dicionário Online de Português. 2023. Disponível: https://dicionario.priberam.org/

HEREDITARIEDADE. In: Caldas Aulete, Dicionário Online de Português. 2023. Disponível em: https://aulete.com.br/