Por: Marcio Martins - 16\10\2022
Entre
privilegiados e excluídos, historicamente Alagoas agoniza as consequências de
um duro golpe provocado pela corrupção generalizada que tomou conta do estado.
Detentor dos piores indicadores sociais do Brasil, Alagoas é dominada por
oligarquias que se enraizaram no poder, e que vai desde o comando do Governo do
Estado, há quase que a totalidade das Prefeituras dos seus 102 municípios.
No estado,
a população já se acostumou a conviver com o poder passado de pai para filhos,
netos, outros parentes e seus “laranjas”, assim como é “natural” que órgãos
públicos, avenidas e ruas tenham o nome dos parentes do prefeito e dos
ex-prefeitos. Não que seja algo ilegal, mas será que somente os políticos tiveram
um papel de destaque na história destes municípios? Por exemplo, que sentido
faz um ginásio de esportes batizado com o nome do pai do prefeito que nunca foi
esportista ou de uma escola onde ele se quer estudou na vida? Mas, isso é o de
menos, o pior mesmo é a naturalização da corrupção e da politicagem coronelista
que perdura até os dias atuais, claro que com uma roupagem um pouco mais
moderna, porém, com consequências bem mais devastadoras do que no século XIX,
afinal de contas, a supressão de liberdades daquela época, por exemplo, ocorria
principalmente em decorrência da falta de informação e de leis que garantissem
os direitos dos cidadãos e dos eleitores, ao contrário dos dias atuais onde a
informação está na palma das mãos dos moradores dos mais longínquos lugarejos
do país, assim como a Lei, que apesar de suas falhas, é para todos, sem
distinção.
Todavia,
como combater essa naturalização crescente da corrupção? Afinal de contas, quem
nunca ouviu as famigeradas frases: “Roubou, mas fez” e “Rouba, mas faz”, fruto
da demonização da política que coloca todos os políticos no mesmo balaio e que
reforça a ideia do famoso ditado popular de que “todo político calça 40”? O
pior que não é somente da boca do cidadão desprovido de inteligência e ou
daquele excluído do convívio social que ouvimos tais barbaridades, pois,
acredite se quiser! Muitos são universitários, comerciantes, advogados,
empresários e até mesmo professores e agentes da lei. E todo esse escárnio fica
mais evidente no período eleitoral, quando a célebre “Mala preta” entra em
campo e os famosos cadastros eleitorais, à revelia da legislação eleitoral,
transformam a política alagoana num antro de corrupção quase que generalizada, decidida
entre quem tem mais dinheiro para comprar votos, corromper o caráter e condenar
a alma do eleitor e sua própria alma enquanto mercador do voto.
Mas, não
basta corromper o caráter, é preciso tornar a população cada vez mais
dependente do assistencialismo politiqueiro ao invés do investimento em
políticas públicas que verdadeiramente libertam. Só que liberdade, a financeira
principalmente, para o corrupto se assemelha a luz do sol na cara do vampiro,
por isso é bem mais prático investir em ações assistencialistas ao invés de
programas de geração de emprego, profissionalização e renda, assim como é bem
mais vantajoso para o projeto de poder das oligarquias e dos coronéis, manter o
povo na miséria, principalmente sem ter o que comer, para que assim seja
atendido com uma cesta básica, que comprada com o suor do seu próprio rosto
pago em impostos, será distribuída pelo governo como se fosse doada graças ao “coração
generoso” do político.
AS CONSEQUÊNCIAS DEVASTADORAS DA CORRUPÇÃO
E é por
todo o exposto que surgem as consequências que muitos fingem não enxergar ou
simplesmente não se importam com a terrível realidade de milhões de famílias que
em pleno século XXI ainda padecem na extrema pobreza e em condições sub-humanas
de moradia em paralelo aos bilhões de reais que escorreram pelo ralo da
corrupção no Brasil e em Alagoas. Famílias esquecidas pelo poder público e pela
sociedade, que vivem a margem do direito, residentes em moradias que mais se
assemelham a abrigos para pequenos animais, nas conhecidas “casas de
taipas” (moradias construídas de barro e pau a pique) que retratam o
descaso e a insensatez dos “senhores do poder” que mesmo sem se importar com o
sofrimento dos seus eleitores, poderiam ao menos respeitar a Constituição
Federal do país que em seu artigo 6º estabelece que todo cidadão brasileiro
entre outras garantias, tem direito à MORADIA, devendo o estado por obrigação
promover a efetivação de políticas sociais públicas que torne acessível este
direito, mas que a exemplo das comunidades de Poço do Boi, Boqueirão e Tupete no
município de Canapi no alto sertão de Alagoas, é uma grande utopia, conforme registrado
nas imagens em anexo e na história de vida de alguns protagonistas desta triste
realidade de muita dor, revolta e sofrimento que passarei a narrar a seguir,
que marcou minha carreira jornalística e que infelizmente, ainda representa a
realidade de pelo menos 40 famílias de uma cidade de pouco mais de 17 mil
habitantes e que se repete nos municípios vizinhos, “coincidentemente”,
marcados por escândalos nacionais de corrupção.
Com o
objetivo de entender do ponto de vista de quem sente na pele as consequências
da corrupção, minha primeira parada foi na comunidade Poço do Boi, onde encontrei
“Dona Ana”, uma mulher guerreira e batalhadora, que junto com seu esposo “Pedrinho”
(nomes fictícios usados para não expor as famílias) e mais 09 filhos, dividiam
três cômodos de uma residência que no período de chuva sofria um enorme risco
de desabar e acabar com suas vidas.
Além da condição
sub-humana de moradia que preocupava a família, sua única renda vem do Auxílio
Brasil, antigo Bolsa Família do Governo Federal, que consegue suprir o mínimo
necessário da alimentação do casal e seus 09 filhos, mas, que, porém, se resume
a mesma refeição durante todo o dia, isso sem qualquer mistura, uma vez que
somente quando vão a cidade sacar o dinheiro do benefício social, ou seja, uma
vez por mês, é que compram frango. Não! Você não leu errado, com o dinheiro que
muitos gastam num único dia tomando cerveja em casa com os amigos ou com a compra
daquela roupa nova que adquiriu só pra não repetir a que usou na última festa,
que uma família de 11 pessoas se alimenta no alto sertão alagoano. E aquele
tipo de carne que dizemos estar abusados de comer todos os dias, queriam eles,
poder saborear ao menos uma vez por semana.
Na casa de
“Dona Ana” e seu esposo “Pedrinho” não existia um só aparelho de rádio, tv,
celular, motocicleta e nem mesmo bicicleta, o que existia de fato era uma
estante velha na sala, duas cadeiras quebradas, uma mesa, um pote de barro, uma
cama de casal e uma de solteiro com colchões que mais pareciam tapetes de tão
desgastados. As crianças dormiam pelo chão ou amontoadas uma sobre as outras na
cama de solteiro e na dos pais. A comida era feita no fogo a lenha dentro de
casa sobre o risco de incêndio, pois “Dona Ana” até tinha um fogão, porém, não
tinha botijão e quando teve nunca conseguiu manter a troca do gás. E se o
casal nunca conseguia comprar o gás, também não conseguia manter a energia, que
acabou sendo cortada por falta de pagamento. A casa também não tinha banheiro e
as necessidades fisiológicas eram feitas ao ar livre no meio do matagal, pois
um emparrado feito de pano, sacolas e lona, um pouco afastado da residência, era
utilizado apenas para o banho.
Ao que
encerrava a visita, notei que ao redor da residência havia um bom pedaço de
terra disponível para plantação, foi aí que perguntei ao casal se haviam
plantado alguma coisa de modo a aproveitar o período de chuva, logo, seu
“Pedrinho” tratou de nos mostrar o quanto e o que já havia plantado, ao tempo
em que limpava outra parte de terra para ampliar a plantação. Ali tive a
certeza de que não estava diante de pessoas “acomodadas” com a miséria, mas de
verdadeiros sofredores que por falta de oportunidades na vida, pagaram um alto
preço, preço esse, que não desejam para seus filhos, todos matriculados e
frequentando a escola.
Partido em
busca de novas histórias, me despedi da família e fui retratar a realidade de novos
personagens de um “filme” onde os fatos narrados infelizmente se repetem, a
exemplo de uma irmã de “Dona Ana” mãe de 05 filhos e de “Dona Lourdes”, uma
senhora idosa que já não lembrava mais a idade, mas fez questão de nos mostrar
sua humilde residência também construída de barro e pau a pique, onde se não
conhecesse a absurda desigualdade social deste país, jamais imaginaria que ali
residia algum ser humano, porém, era a mais dura e cruel realidade diante dos
meus olhos, pois era numa “cabaninha” de chão de terra batido, com apenas três
minúsculos cômodos, que “Dona Lourdes” residia sozinha e Deus, como ela mesma
diz.
Logo ao
entrar na humilde residência de “Dona Lourdes” me deparei com um pau colocado
no meio da casa para segurar o telhado que ameaçava desabar, como também ocorreu com
parte de um quartinho ao lado do qual ela dorme.
Com o
coração partido e com um sentimento de impotência avassalador, sem nada poder
fazer por ela naquele momento, me restou, a oração, pedi a Deus por
sua vida e segui viagem, pois o tempo era curto e ainda tinha que visitar
outros dois povoados, fiz alguns registros fotográficos de outras residências
de taipa ainda na comunidade, até que na volta, ao passar novamente em frente à residência
de “Dona Lourdes” fui parado com um pedido, queria ela, uma cama e um colchão,
pois a sua cama estava quebrada e o colchão já não servia mais, não prometi
nada, porém, disse que iria fazer o que estivesse ao meu alcance para conseguir,
até que alguns dias depois a doação veio através de um conterrâneo residente em
São Paulo que se comoveu com a história da idosa após tomar conhecimento nas minhas
redes sociais.
A próxima comunidade
visitada foi o sítio Boqueirão ainda em Canapi, lá encontrei “Dona Lúcia”, uma
agricultora que assim como “Dona Ana” nossa primeira protagonista, residia em
uma casa de taipa com o esposo e 09 dos 14 filhos que tiveram. Uma situação
espantosamente semelhante à nossa primeira visita, haja vista a quantidade de
pessoas na casa, a falta de renda, a estrutura da moradia, a falta do gás, o
corte da energia por não conseguir pagar a conta, o fogo de lenha dentro de
casa deixando toda a madeira completamente escura e sob o risco eminente de
incêndio e desabamento em decorrência das fortes chuvas. Mas apesar da
semelhante condição de vida das famílias, uma coisa me chamou bastante atenção
ao entrar casa adentro, pois já na cozinha, tive que me agachar para poder
transitar no recinto devido o telhado ser muito baixo e ao sentar num sofá bem
desgastado na sala, notei a presença de vários insetos, inclusive barbeiros,
responsáveis pela transmissão da doença de chagas, os quais “Dona Lúcia” disse
ser comum encontrá-los na roupa dos filhos e aproveitou para informar que seu
esposo não estava em casa, pois havia saído cedo para trabalhar na roça, mais
uma vez, eu não estava diante de pessoas acomodadas com a miséria.
BARRACOS DE LONA E CASA DE PAPEL
De Canapi,
viajei até a zona rural dos municípios vizinhos de Mata Grande e Inhapi onde me
deparei com uma situação ainda pior, famílias residindo de forma permanente em
barracos de lona apesar de serem moradores da própria comunidade, porém, invisíveis
aos olhos do Poder Público e da sociedade.
Já no
município de Água Branca que na prática também tem ignorado a condição de
miserabilidade de dezenas de famílias em seu território, na teoria a Prefeitura
destinou na LOA – Lei Orçamentária
Anual para 2021 a importância de R$: 1.127.000,00 (Um milhão cento e vinte e
sete mil reais) para a Construção e/ou ampliação de unidades habitacionais a
serem utilizados em obras e instalações que não saíram do papel.
E se em Água Branca, Canapi, Inhapi e
Mata Grane o problema mais grave era a falta de moradia, em Delmiro Gouveia, a
“Capital do Alto Sertão”, o problema foi à falta de merenda que agravou ainda
mais a fome de uma parcela considerável da sua população delmirense e principalmente das crianças
privadas do convívio escolar durante a pandemia da Covid-19, apesar dos mais de R$: 450 mil reais em conta, enviado
pelo PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar em plena pandemia até Maio de 2021. Acontece que, a Prefeitura Municipal de Delmiro Gouveia, não enfrentou o problema e
passou praticamente a metade do respectivo ano, sem proceder à distribuição
dos chamados kits merenda em substituição a alimentação na escola.
https://www.fnde.gov.br/pls/simad/internet_fnde.liberacoes_result_pcPrincipal
refeição
Sem aulas
presenciais e sem a entrega dos kits merenda, os alunos da rede pública
municipal ficaram sem a alimentação, que, para muitas crianças e adolescentes,
representava à principal, quiçá, a única refeição do dia, agravando a situação
de extrema vulnerabilidade social em que se encontravam, não obstante, o
município de Delmiro Gouveia já registrava no período 6.400 (seis mil e
quatrocentos) beneficiários do Bolsa Família, atual Auxilio Brasil, conforme
dados do Portal da Transparência do Governo Federal relativo ao mês de
Abril/2021. Famílias em situação de pobreza com renda per capita de até R$:
170,00 e em extrema pobreza R$: 85,00.
PROJETO CASA SOLIDÁRIA
Bastante
comovido com as condições sub-humanas de moradia das famílias que visitei, me
despedi de todos com um misto de sentimentos, indo do egoísmo a revolta e uma
inquietação absurda a corroer minha mente, me impondo a necessidade e obrigação
de fazer alguma coisa por essas famílias. Fui sacudido com um choque de
realidade, e acredite se quiser, em especial pela demonstração de fé dessas
pessoas, por que não dizer, a verdadeira fé, pois apesar de todo sofrimento
vivido, todas as famílias visitadas confessaram que não perdiam a esperança de
um dia morar com seus filhos em uma casa confortável onde sua maior preocupação
fosse apenas trancar as portas antes de dormir. Foi assim que nasceu o Projeto
Casa Solidária. A ideia partiu de um grupo de 05 amigos que deram início a uma
campanha denominada Casa Solidária com o objetivo de angariar recursos
para a construção de casas populares em substituição as casas de taipa, uma vez
que a depender dos governos em suas três esferas (Federal, Estadual e
Municipal) padeceriam em promessas, mas que graças à ação dos voluntários e as
doações dos parceiros e colaboradores pelo menos 04 famílias em Canapi e Inhapi
realizaram o grande sonho da Casa Própria.
O CORONELISMO DE JOELHOS
Acontece
que, por mais inspiradoras e bem intencionadas que sejam as ações de
solidariedade da sociedade civil, estas estão longe de resolver o problema,
afinal de contas, apenas algumas famílias têm suas vidas transformadas em
determinadas localidades, e é ai que entra a importância dos agentes da lei, na
fiscalização do bom uso dos recursos públicos e do combate efetivo a corrupção,
que garante a aplicabilidade do dinheiro público na geração do maior e melhor
programa social que existe, O EMPREGO, bem como os programas habitacionais que
resgatam a dignidade do cidadão e transformam vidas. Deste modo, e mediante a
prevaricação do Poder Legislativo Municipal e até mesmo o envolvimento de
alguns vereadores nos esquemas de corrupção em algumas prefeituras do sertão, se faz necessário e urgente a atuação
cada vez mais enérgica do Ministério Público e da Justiça Brasileira que venha
a estancar de vez a sangria dos cofres públicos, desbaratando verdadeiras
organizações criminosas e esquemas sofisticados de corrupção liderados por
prefeitos, ex-prefeitos e vereadores, colocando o coronelismo de joelhos
perante o Império da Lei quando representada por homens e mulheres de coragem e
de caráter, que não se deixam intimidar pelo poder da máquina pública e das
alianças espúrias que muitos políticos corruptos mantém como forma de blindagem
para seus crimes.